Sobre as formas do Fantástico: Cortázar


"Desde muito pequeno existe esse sentimento de que a realidade para mim não era apenas o que a professora ou minha mãe me ensinavam e o que eu podia verificar tocando e cheirando, mas que existiam, além disso, contínuas interferências de elementos que não correspondiam, no meu sentimento, a esse tipo de coisas. Essa foi a iniciação do meu fantástico. Quer dizer, não é um fantástico fabricado, como o fantástico da literatura chamada gótica, em que se inventa todo um aparato de fantasmas, de espectros, toda uma máquina de terror que se opõe às leis naturais, que influi no destino dos personagens."

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"A margem de pensamento dos adultos me parecia muito pequena no círculo da minha família, que era o único que eu conhecia. [...] Mas o fato é que, sendo precoce no campo das intuições, percebia no vocabulário dos adultos – aliás, um reflexo da realidade deles – que eles viam a realidade de um modo diferente do meu. Pois bem, percebia então naquele vocabulário uma espécie de desajuste.
Quando ouvia certos lugares-comuns, tinha a impressão de que provavelmente a verdade era o avesso daquilo. Naturalmente, a criança não diz essas coisas porque corre o risco de levar um tabefe, sobretudo nessas casas argentinas onde criança é criança e adulto é adulto e justamente por isso tem sempre razão. Nem precisa saber mais: basta ser adulto para ter razão. Mas, enfim, tudo isso é para explicar que não existe um momento no qual eu tenho definido o fantástico. Havia um mundo paralelo, misturado ao mundo de todos os dias, o mundo das escola e o mundo da casa, e eu me movia entre um e outro, flutuando."

Trechos de "O fascínio das palavras – entrevistas com Júlio Cortázar", de Omar Prego (descobertos no Atelier da Escrita -RJ), que levam a pensar nas várias emergências e correntes do Fantástico.

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